Nesta semana comemoramos o Descobrimento do Brasil, ocorrido em 22 de abril de 1500. Nos porões das naus da expedição comandada por Pedro Álvares Cabral havia muito vinho. Nesta edição, mostramos que vinho era este e que a família do descobridor também produz e mantém a tradição até os dias de hoje
Rodrigo Leitão
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Os primeiros vinhos a desembarcar em terras brasileiras foram o tetravô do Pêra-Manca e o vinho produzido nas terras do pai de Pedro Álvares Cabral, que ainda hoje é oferecido nas prateleiras de Portugal e do Brasil. Ou seja, já nascemos bem servidos! Pedro Álvares Cabral partiu de Lisboa com suas 13 naus no dia 9 de março de 1500. A bordo das caravelas havia 65 mil litros de vinho tinto, reservados para consumo dos marinheiros, pois se pensava que assim os ânimos não se exaltariam até a chegada às Índias. O vinho também era usado na preparação de alimentos, na higienização e nas missas diárias a bordo.
O vinho guardado nos navios da frota portuguesa, um deles comandado pelo meu ancestral Nuno Leitão, era originário de Évora, no Alentejo. Por volta do ano de 1.300, frades da Ordem de São Jerônimo fundaram por ali uma Igreja e formaram seus vinhedos, que prosperaram nos séculos 15 e 16, num lugarejo conhecido como Pêra-Manca, cujo significado quer dizer “pedra manca” e denominava uma “formação rochosa de granitos arredondados em desequilíbrio sobre a rocha firme”. Nada tem a ver com a fruta típica daquela região.
Foi neste mesmo sítio, que a partir de 1990, a Fundação Eugênio de Almeida passou a produzir o vinho Pêra-Manca que conhecemos, recuperando uma tradição que estava encerrada há 70 anos. Desde 1920 não se produzia mais o vinho Pêra-Manca, criado pelos frades no século 15. Aquele produto foi glorioso, principalmente no século 19, quando ganhou medalhas e premiações diversas por toda a Europa, inclusive em concursos promovidos em Bordeaux, na França.
CARTUXA
Mas em 1988, o herdeiro do antigo grupo produtor do Pêra-Manca, a Casa Agrícola José Soares, doou os royalts para a Fundação Eugênio de Almeida, que também produz os rótulos Cartuxa e EA. Em 1990, chegou ao mercado o primeiro “novo” Pêra-Manca, que só é produzido em anos de excelência das uvas Trincadeira e Aragonez (tinto) e Antão Vaz e Arinto (branco). O nome Pêra-Manca, então, passou a substituir o vinho emblemático da vinícola, que era chamado de “Cartuxa Garrafeira”. Quando não se consegue a excelência para o vinho de Cabral, as garrafas são rotuladas como “Cartuxa Reserva”.
CUSPIDA
Voltando ao dia 22 de abril de 1500, quando finalmente Pedro Álvares Cabral chegou a Porto Seguro, no sul da Bahia, tivemos nos dias seguintes a primeira prova de vinhos realizada por aqui. Os dois índios levados à presença de Cabral não gostaram da bebida e cuspiram o Pêra-Manca. Eles estavam acostumados a degustar o Cauim, um fermentado obtido da mandioca, similar a cerveja, e não assimilaram o sabor do fermentado alcoólico de uva.
DA CASA
Dentre as garrafas trazidas nas naus de Cabral estavam alguns lotes produzidos nas terras de seu pai, nos vinhedos que sua família mantinha na cidade portuguesa de Belmonte, onde ele nasceu, na região de Beiras (antigo Dão). O vilarejo de Belmonte data do início do século 12, em 1119. Nesta época, habitavam ali mouros e judeus, mais tarde expulsos por Rodrigo de Bivar (El Cid). Quem ficou na região foi obrigado a se converter ao cristianismo e, por tais registros, conta-se que a família de Cabral tem origem judaica.
Ao encerrar suas atividades marítimas, Cabral resolveu se mudar para o pequeno Concelho de Alenquer, na província portuguesa de Estremadura, na fronteira com a Espanha. Foi ali que, em 1503, o descobridor do Brasil iniciou sua plantação de vinhas. Alenquer está situada na região agora chamada de Lisboa (antiga Estremadura). E neste mesmo local, hoje se encontra a Quinta do Rocio, responsável pela produção de um dos mais representativos vinhos portugueses. Já foi inclusive considerado como “um clássico jovem que traz consigo séculos de tradição.”
Mas antes de Cabral chegar aqui, os portugueses já exportavam vinhos. Os primeiros registros de venda de vinho português a outros países são de 1367, no século 14. Pois não é que os vinhos produzidos nos vinhedos que pertenceram a Pedro Álvares Cabral também são vendidos no Brasil! Um desses vinhos, e bastante premiado, é o Quintas do Rocio (rocio significa orvalho!), feito pelo produtor e enólogo José Neiva Correia, da DFJ Vinhos. A bebida chega ao Brasil por importação da Lusitano Import e custa na faixa de R$ 205. A safra de 2007 é excepcional!
AUTÓCTONES
Antigamente, esses vinhos das chamadas “terras de Cabral” eram feitos com as uvas autóctones da região (principalmente Rufete, Jaen e Periquita). Como é conhecido hoje, o vinho das terras de Cabral aproveita as uvas Shiraz e Merlot para dar um toque globalizado, além da Touriga Nacional e de Grenache. O Quinta do Rocio foi lançado em 2006 e a família de Tomás Sanches da Gama, que o produz, está nas terras de Cabral desde 1939. Ele é indicado para acompanhar carne vermelha grelhada e carne de caça, além de acompanhar pratos encorpados da clássica gastronomia portuguesa, como cabrito, embutidos defumados e receitas à base de funghi.
Este vinho tem graduação alcoólica de 13º e deve ser servido a uma temperatura entre 16º C e 18º C. Apresenta coloração granada atijolado, com notas de vegetal seco, frutos vermelhos maduros em compota, baunilha, pimenta preta, noz moscada e alcaçuz. Na boca, é aveludado e revela um sutil toque apimentado com leve toque agridoce. Os taninos são firmes e afinados, de final longo e elegante.
A fermentação se deu em cubas de aço inox e depois o vinho estagiou por 12 meses em barricas de Carvalho Francês. Após o engarrafamento, descansou mais um ano na adega da vinícola antes de sair para a venda.