Festa que hoje celebra o aniversário de Jesus tem origem antes do Cristo e comemorava a chegada da Primavera, festejando o alimento num evento pagão ligado a agricultura.
por Rodrigo Leitão
Ao contrário do que muita gente imagina, a Ceia de Natal surgiu na Europa pagã, antes do cristianismo e até mesmo do domínio romano. Na ancestralidade europeia, que inclui desde os latinos até os germanos e bárbaros (todo mundo que não era romano!), esses povos celebravam o Solstício de Inverno, aquela data em que a noite é a mais longa do ano (no hemisfério norte em 22 de dezembro e aqui, em 21 de junho). Era um feriado para agradar o Deus Saturno, cuidador das colheitas.
Nesse novo período, os dias mais curtos viravam passado e abriam caminho para a Primavera, quando se iniciavam as plantações dos grãos que seriam colhidos no Verão. Então, para celebrar a próxima colheita, os povos pagãos faziam festas com muita música, dança e, sobretudo, comida.
Era costume, nesta época, abrir as portas e janelas das casas para receber amigos, viajantes e peregrinos, que se juntavam às famílias hospedeiras para confraternizar a data tão significativa e cuja prática foi posteriormente incorporada pela tradição cristã, quando fora acrescentada a oferta de presentes. Para essa comemoração, era elaborado um cardápio rico e incrementado com pratos de culinárias diversas, pois comer bem e guardar para esse dia as melhores variedades, era uma tradição.
Quando o Imperador Constantino, a pedido de sua mãe e instruído por seus conselheiros, adotou o cristianismo como religião do Império Romano, por motivos políticos e não religiosos, é que surge, então, a Ceia de Natal como conhecemos hoje. Porém, a data de 25 de dezembro para celebrar o nascimento de Jesus só foi promulgada pelo Papa Julio I em 350 d.C.. A comunidade cristã ocidental já era grande e conquistava Roma, o que deixava o imperador adorador de Hércules um tanto desconfortável. Daí a ideia de seguir a religiosidade da mãe para agradar os súditos e unir as tradições pagãs com o discurso bíblico.
Para amarrar a narrativa religiosa, descrita pela Igreja do Santo Sepulcro e agregar também as tradições judaicas e do Oriente Médio, surge o Natal cristão com celebração festiva e clerical, quando o Papa Júlio I baniu as celebrações aos deuses pagãos e adaptou a festa a Saturno aos princípios cristãos.
Foi nesta época que surgiu o conceito da Santa Ceia (adaptada também à Páscoa!), que tinha como pano de fundo a boa nova advinda com o nascimento de Jesus, aliada à fartura da celebração à agricultura e ao culto ao alimento dos antigos europeus.
O cardápio de toda essa festança cristã passou a misturar, então, ingredientes médio-orientais, pagãos e cristãos. Daí, por muito tempo, e até hoje, são servidos carne (naquela época de caça), aves de rapina, produtos feitos de trigo, as frutas secas, figo, damascos… Além dos doces e compotas usados na preservação de frutas e legumes no período de Inverno.
O famoso Peru de Natal entrou nesse cardápio mais de mil anos depois. Pois se trata de uma ave norte-americana que só chegou à Europa após os Descobrimentos. Foi levado pelos espanhóis, mas só virou tradição cem anos depois que os padres começaram a servir a ave nos banquetes, pois era mais saborosa e fácil de criar que as demais e também que as caças.
Rodrigo Leitão é jornalista especializado em enogastronomia e origem dos alimentos, escritor e autor dos blog e site Gourmet Brasília e do livro “Dicas Para Harmonizar Vinhos – Guia Prático para Combinar Pratos Doces e Salgados”.